Ricardo Ferreira – “Fica Tranqui”
Uma entrevista com
Ricardo Ferreira
Ricardo Ferreira, cresceu no skatepark da Expo e a sonhar com um vídeo part desde puto. Nesta conversa, ele conta como a sua primeira part nasceu de sessões com os amigos e também com o filmer Gonçalo Silva, entre spots improváveis, um corrimão épico e uma lesão que quase o fez desistir. Ricardo fala da liberdade de skatar por amor, da pressão das filmagens e de como um clip de há dois anos ainda pode ter peso. Com o selo da BOND e Clandestin Skateboards, esta part é a prova de que a rua é o palco e a motivação vem da crew.


Quem és tu, para quem ainda não te conhece?
Ricardo Ferreira, tenho 20 anos.
Cresceste onde? Como era a cena de skate aí?
Cresci aqui no skatepark da Expo. A cena do skate por aqui tem tido os seus altos e baixos. Hoje em dia há uma malta bacaninha a andar.
Lembras-te da primeira vez que pegaste num skate?
Eu não me lembro ao certo da primeira vez que pequei num skate… Só me lembro de quando era muito novo ver o meu irmão mais velho a andar e como é óbvio como sou o irmão mais novo, queria experimentar.
E só me lembro que foi mais ou menos por volta dos quatro anos, pelo menos é o que me dizem.

Quando é que começaste a levar isto mais a sério? Ou nunca pensaste nisso assim?
Imagina, levar a sério. Eu acho que nunca pensei nisso dessa maneira, mas eu consigo dizer que quando me deu mesmo o clique de gostar mesmo desta cena, a cena do skate foi quando entrei para o sétimo ou para o oitavo ano, já não lembro bem.
Conheci o Pedro Matos, o gajo era da minha escola, que mudei de escola no oitavo e a partir daí foi só skatar.
O que é que te puxou para o lado mais criativo — filmar, pensar em spots, construir uma part?
Eu sempre quis fazer uma part, desde que um gajo começa a andar de skate e começa a ver vídeos na net, é sempre o teu sonho fazer uma parte.
Mas eu acho que foi só a cena de conhecer o Gonçalo, ao longo de irmos filmar os projetos todos iam surgindo ideias e spots e ficava sempre esta ideia a parar no ar, bora fazer uma parte, bora fazer uma parte.
E chegas a um ponto e tens que a soltar, não é?

Esta é a tua primeira vídeo part, certo? Porquê agora?
Yá 100% é a minha primeira video part, tenho uns clipes lá nos dois projetos do Gonçalo, mas acho que não se pode dizer que são video parts.
E o porquê de ser agora? Eu acho que é mesmo tipo, porque já está feita e agora que está feita e assim acho que é uma boa barreira para começar uma cena nova, estás a ver?
Há clips nesta part que foram filmados há dois anos. Porque decidiste mantê-los? Sentiste que ainda representavam quem tu és hoje?
Eu acho que a única razão pela qual o clipe em questão, tipo nós decidimos mantê-lo, foi porque, para o spot que era, era uma grande manobra, era diferente, achávamos que entrava bem e, sinceramente não me representa muito bem, porque não é de nada manobras que eu estou acostumado a mandar, mas ainda mais por ser diferente.
O último toque foi num spot com um corrimão daqueles… Como é que surgiu esse spot e como sabias que ia ser o toque final?
E esse spot até hoje causa-me uns sonhozitos bacanas. Isso foi basicamente um dia que eu e o Gonçalo fomos skatar a outro spot, que não tem nada a haver com esse E estávamos a ir para casa e ele vira-se.
Olha, tenho ali um spot qualquer. Anda lá ver. Que não era esse. Estamos a andar, não sei o quê, e pá, tipo, estou ao lado dele, ele está a conduzir e do nada. Puto, para aí, encosta! Olho para o lado, um railzorro. Eu assim, ui. E ele vira-se, ui. Vamos lá ver. Vimos para a semana, bora!
E passado duas semanas lá fomos, placas e o caraças. E, tipo, não tinha nada naquele nível também na parte, estás a ver? Quando tu estás a querer fechar uma parte, convém que feches a parte com impacto. E acho que foi bem escolhido, ya.

Houve algum momento em que pensaste: “Porque é que estou a fazer isto?”?
Eu acho que eu perguntar-me a mim acho que não, mas tipo, pá, minha mãe e a minha avó perguntarem-me porque é que tu andas a morrer todo no chão só por andar de skate, não sei o quê.
Pá, eu acho que no fundo tu fazes o que tu gostas e o que dá prazer no final do dia, não é? Portanto, um gajo faz porque gosta e porque se diverte e está com os amigos e não sei o quê.
E pá, e o vídeo é uma forma de documentar isto. Um gajo agora sabe que se quiser rever esses momentos tem sempre isso num videozinho bacana de 4 minutinhos. A resumir dois aninhos.
Tiveste pausas longas na produção da part? Foi por causa de lesões, falta de motivação, ou só a vida a acontecer?
Não, foi mesmo lesões, ya. Tive uma rotura no menisco o ano passado e tive de ser operado e caraças, tive umas pausazinhas de seis meses e foi um bocado difícil, mas ya passou-se bem até.
Se houve essas pausas, como é que voltavas a motivar-te depois dessas pausas?
Imagina, voltar tipo, não sei, porque a certa altura eu já estava a olhar para a part, com as cenas que tinha na altura, a pensar, se calhar descarto isto tudo e começo uma cena de novo quando voltar.
Eu acho que nunca ia perder a motivação de fazer parts e nem andar de skate, mas sempre a falar com o pessoal, malta a puxar por ti, isso também ajuda p’ra caraças para gravar um projeto destes.

Quando voltavas a ver os clips antigos, sentias-te a mesma pessoa? Ou já parecia que estavas a ver outro skater?
Ya, houve bué clips nesta parte que foram com o beleléu, como se costuma dizer, porque voltei de lesão com uma motivação bacana para gravar um projeto, seja qual fosse, fosse outro completamente novo ou se fosse continuar este.
Mas houve alguns que ficaram porque nós achámos que ainda tinham calibre, mas grande parte da parte foi gravada depois da lesão.
O vídeo tem o selo da BOND e da Clandestin Skateboards — como é que essas ligações aconteceram?
A Bond é literalmente uma marca de amigos, a malta que andava lá no skatepark juntaram-se e não sei o quê, e a gente fazia umas t-shirts, nada de mais, mas é sempre aquela ligação de amigos.
E com a clandestina, acho que foi na premiere das Visões Noturnas, do vídeo do Gonçalo, disseram que curtiram bué de como eu skatei e não sei o quê, e aí há uns tempos mandaram-nos mensagem a mim e ao Martim a perguntar se nós queríamos fazer parte do projeto e obviamente que a gente quer e a malta é bué porreira.

Sentes que isto é mais que uma part? Tipo uma afirmação, um recomeço, ou só uma cena que querias fazer?
Epá, se for alguma coisa deve ser tipo, uma afirmação para mim, que eu depois de vir da lezão queria ter a certeza que ainda dava para andar, que não é? Sei lá, imaginei que eu já não podia andar depois de ser operado ao joelho, ia parecer um cota ou caraças, mas acho que é um bocado, é uma afirmação para mim e saber que está a ter boas reviews ainda me deixa com mais pica e contente, obviamente.
O que é que te deu mais gozo neste processo todo? E o que te lixou mais a cabeça?
O que me deu mais gozo nisto tudo acho que foi mesmo o dia da premiere, estar lá com o pessoal a ver o vídeo e ouvir e ver as reações de toda a gente.
E o que me lixou mais a cabeça foi todos os toques que ficaram para dar, há sempre e sempre vai haver aqueles toques que um gajo quer dar e ficaram para trás, tenho que ir lá apanhar outra vez para a próxima.

Tu e o Gonçalo Silva já se conhecem há bué… Quando começaram a gravar, já tinham uma visão definida ou foi tudo surgindo à medida que iam andando juntos?
Quando a gente se conheceu, eu falei-lhe da ideia, tipo, não sei o quê, pá, vamos lá para a frente, para a frente a gente grava uma part.
E depois os dias iam avançando e eu tenho uma ideia. Pá, era uma ideia completamente diferente, o nome era completamente diferente, iam surgindo, estás a ver? À medida que íamos andando juntos, à medida que íamos gravando para os vários projetos dele, encaixávamos aqui umas para a parte, e dá para tirar uns toques.
Dá para notar que há confiança nas filmagens — há momentos em que já nem parece que a câmara está lá. Achas que isso só acontece quando se filma com um amigo de verdade?
Ya, 100%, acho que quando tu filmas com um gajo que tu já conheces vai ser meio caminho andado para a cena sair genuína, vai ser muito diferente se tu gravares com um gajo que não conheces de lado nenhum. Digo eu…
Qual foi aquele dia em que olharam um para o outro e pensaram: “ya, isto vai mesmo acontecer”?
Eu acho que foi o dia que se escolheu o dia para a premiere, estás a ver? Ou seja, lá no início de abril decidimos tipo, dia 30 é bacana, dia antes de um feriado, a malta se quer pode vir aí ver.
Epá, só é que começámos a sentir aquela pressão que temos uma cena para entregar num x dia, estás a ver? Porque até aí estava meio a parar no ar e tipo, bora fazer isto e logo se vê. Aí acho que foi mesmo o dia

Esta part tem alguma ligação com o universo de Visões Noturnas? Tipo clipes filmados que não apareceram em Visões Noturnas e foram guardados para a tua part.
Ya, mano, tens bués. Isto tem bué a ver com o universo de visões noturnas. Todos os clipes que foram gravados à noite nesta parte foi tudo uma sesh que supostamente era para ir para as visões noturnas.
E quando ele estava a editar o visões noturnas, depois fomos selecionando uns para guardar para a minha parte. E acho que escolhemos uns bacanos. hahaah
Onde é que foste buscar inspiração para esta part? Pessoas, vídeos, cenas fora do skate?
Imagina, eu acho que nós não tiramos provavelmente inspiração de uma cena em particular, mas foi que eu sabia que queria uma parte com uma música com impacto e tipo com uma boa batida e pá mesmo cena à Ruben Rodrigues antiga, tipo aqueles gaps gigantes, não é que eu skate muito gaps, mas pronto….
Obviamente tipo à Joslin, uma cena com impacto, uma música com impacto, sempre a vir clipes e foi mais ou menos essa a visão, que o Gonçalo cumpriu e muito bem!
Houve toques ou spots que ficaram por acertar?
Ya mano, Bués toques ficaram para dar, acho que perdi a conta, nem sei se ultrapassam os toques que ficaram para dar dos toques que eu dei…
Como é que dividiste o teu tempo entre a vida, trabalho e filmagens?
Imagina, eu por enquanto ainda não trabalho, ainda estou a estudar, mas eu acho que se tu quiseres consegues arranjar tempo para tudo.
Eu quero skatar, estou a estudar, tenho os meus amigos e não sei o quê, se tu quiseres mesmo arranjas um tempinho para fazer aquilo que tu queres.

Achas que há apoio suficiente em Portugal para se fazerem cenas destas?
Imagina, se há apoio suficiente para viver disto? Acredito que não, mas acho que chegas ao ponto em que já estás a fazer mesmo só porque gostas, estás a ver?
Eu às vezes gosto de pensar que faço isto mesmo só porque quero e não porque eventualmente depois quero tirar alguma coisa daqui, estás a ver? Não é que eu evite completamente essa possibilidade, mas é um bocado eu já acostumar-me com essa ideia.
Qual é o maior obstáculo para um skater português tentar algo mais sério?
Eu acho que é isso mesmo. Acho que a falta de apoio se houvesse mais apoio na indústria em Portugal, muito provavelmente tínhamos muito mais skaters a fazer isto mesmo a sério.

Achas que o skate ainda é puro para ti ou já começa a saber a “trabalho”?
Não, acho que por agora não está nada a saber a trabalho, se isto algum dia se tornar trabalho, acho que nunca vou conseguir olhar para isto como trabalho e isso é sempre puro para mim, mas ya…
O que é que queres que as pessoas sintam quando virem a tua part?
Eu acho que a única coisa que eu quero que as pessoas sintam quando virem esta parte, é que gostem sinceramente, que curtam dos spots, curtam dos toques, da maneira que está gravada, da maneira que foi editada, que curtam do projeto como um todo.
E depois da part… há planos, ou deixas fluir?
Acho que é um bocado os dois, estás a ver? Da mesma maneira que foi esta parte, o objetivo é sempre ir para a rua, porque tu gostas de ir para a rua, não é porque estás só a planear a fazer alguma coisa.
Já falei com o Gonçalo, obviamente que se um dia houver material para fazer outra parte, a gente faz outra parte, mas para agora é deixar fluir e começar a destacar zero outra vez.

Há alguma coisa que queres dizer à malta que está a pensar em lançar uma part mas ainda não teve coragem?
Lancem. A única coisa que eu tenho para dizer a essa malta é que lancem a part só, não perdem nada. Tipo, não há nada a perder, Lança só a parte quando tiveres tudo pronto!
Se tivesses que resumir tudo isto numa só frase, a part, o processo, o que dizias?
Olha mano, epá, genuinamente não sei, mas acho que o nome da parte resume bem o que foi esta última etapa de gravação, estás a ver? Tipo, relaxa, fica tranqui, que isto está a se resolver, a parte está a chegar, pá, tudo nas calmas.
Acho que o próprio nome da part resume muito bem a part, sinceramente. E tudo o que vem à volta da part.
Ricardo, quero agradecer-te por teres alinhado em fazer esta entrevista, e espero que esta não seja a tua última part!
Brigadão pela entrevista. Eu espero genuinamente que também não seja a minha última parte. O objetivo é sempre fazer mais, Brigadão!
