“Do México para as ruas de Portugal“
Uma entrevista com Fernando Paz
Da Cidade do México às ruas empedradas de Lisboa, Fernando Paz, também conhecido por ADARLE, trilhou um caminho único entre o skate, o design e a fotografia. Com raízes na publicidade e um profundo amor pela cultura do skate, as suas lentes captaram momentos crus de Nova Iorque a Portugal, sempre com um olhar honesto e criativo. Nesta conversa, mergulhamos na sua viagem pelos continentes, na evolução da sua arte e no que continua a impulsionar a sua paixão por documentar o skate.


Começando do início, como foi crescer no México e depois mudar para Nova Iorque? O que te levou até lá?
Crescer no México foi incrível, mas desafiante. Apesar do clima e da comida serem fantásticos, tens de trabalhar muito, o que não deixa muito tempo para andar de skate. Trabalhava e depois ia para a escola, por isso só tinha uns 45 minutos por dia para skatar, mais os fins de semana, quando dava. Trabalhava em publicidade, que exigia muitas horas e deixava pouco tempo livre. Eventualmente, surgiu uma proposta para trabalhar em publicidade em Nova Iorque e decidi arriscar.
Viver 16 anos em Nova Iorque é muita coisa. Como é que essa cidade influenciou a tua forma de fotografar e ver o skate?
Sim, 16 anos é muito tempo! Nova Iorque é incrível há sempre algo a acontecer. É uma cidade cheia de inspiração, que te puxa constantemente para criar e explorar. Não queres perder nada. Andar de skate em NY é raw, criativo e cheio de cultura. Estás sempre a ver spots lendários e pros a fazerem manobras absurdas.
Tinha mais tempo livre lá, por isso comecei a experimentar com fotografia, mesmo enquanto trabalhava. Apesar de estar rodeado de skate, no início não estava muito interessado em fotografá-lo. Estava mais virado para retratos e moda, embora o skate me inspirasse sempre. Só quando a pandemia bateu e me mudei para o interior do estado é que comecei a fotografar skate. Já não havia muito mundo da moda por lá, mas conheci muitos skaters e comecei a ir em missões com eles. Foi aí que o meu amor pela fotografia de skate começou a sério.

Tens filmagens de 2002 e 2003 em Nova Iorque e Barcelona. O que estavas a filmar nessa altura? Como era a cena naquela época?
Na altura, era patrocinado pela Vans e por uma skateshop local. Viajávamos para filmar e participar em campeonatos. Era uma forma de explorar novos sítios e culturas. A cena no México não era tão grande como hoje, não se conseguia viver do skate. Não havia muito apoio, por isso tinhas de ganhar dinheiro para poderes viajar e skatar. Fiquei viciado nesse estilo de vida e tentei viajar o máximo possível.
Foste de documentar skate para também te envolveres no design, com marcas como a Deza, Vans e Yoyo Bearings. Como aconteceu essa transição?
Na verdade, foi ao contrário. Comecei por desenhar coisas para marcas de amigos, identidades visuais, logótipos, packaging, gráficos de tábuas. O design e a direção de arte sempre foram uma paixão minha e uma forma de me manter ligado ao que amo.
Já fotografaste para revistas icónicas como a Surge, Sundai, Betesga e 100% Skate. Há alguma publicação ou projeto que te seja especialmente importante?
Vejo cada publicação como uma oportunidade para crescer e manter-me motivado. É uma forma de medir o progresso e, mais importante ainda, de dar visibilidade aos skaters com quem trabalho. Isso é o que mais me toca, poder contribuir para a cena local. Ver os meus amigos a serem publicados e sentirem esse entusiasmo de continuar a criar é super recompensador.

És o tipo de fotógrafo que planeia o shot ou deixas fluir? Como decides quando é o momento certo para fotografar?
Depende. Alguns spots são mais complexos do que outros e isso é parte da piada. Tento não pensar demasiado. Normalmente imagino o shot primeiro e parto daí. Se estiver com um filmer, falo com ele para perceber o que ele quer captar e depois planeio a luz. Gosto que os shots fiquem limpos para que a manobra e o spot brilhem. Mas no fim do dia, depende do skater, não há “momento certo”, só tento estar pronto.
O skate tem essa magia de transformar a cidade num parque. Há alguma cidade que tenha sido especial para ti fotografar?
Adoro fotografar em Portugal. Os spots são incríveis e parecem sempre super difíceis de skatar. A calçada portuguesa dá tanta textura às fotos, faz com que ganhem vida. Sei que é lixado de skatar, mas vale a pena. As cidades europeias têm todas um vibe próprio. A Dinamarca também é brutal, a arquitetura é super única. França e Espanha também são ótimas. Sinceramente, é difícil escolher, cada uma inspira à sua maneira.

O que te fez sair dos EUA e vir para a Europa? Notas diferenças na forma como se vive e se documenta o skate aqui?
Depois de tantos anos nos EUA, precisava de uma mudança, um empurrão para outra direção. Estava farto da mentalidade americana. Queria uma melhor qualidade de vida, não só para mim mas também para o meu filho. Europa sempre esteve na minha cabeça, especialmente Portugal, Espanha, Itália, França e Dinamarca. Mas quando chegámos a Portugal, foi amor à primeira vista. As pessoas foram acolhedoras e, o mais importante, havia uma comunidade de skate forte que me ajudou a crescer como fotógrafo.
Tenho quase 50 anos e já não consigo skatar o tempo todo, mas adoro como fui bem recebido na cena. Nova Iorque é fixe, mas às vezes é demasiado fixe
Se tivesses de escolher: digital ou analógico?
Digital. Adoro o mood e o ambiente da fotografia analógica é claramente uma forma de arte. Mas ainda não fotografei skate em filme, principalmente porque fico demasiado ansioso à espera de ver se apanhei o shot. Preciso de ver logo.

Estiveste envolvido em muitos projetos. Há algo que ainda queiras fazer mas nunca tiveste oportunidade?
Gostava de criar uma associação de fotógrafos de skate. Um espaço para nos inspirarmos uns aos outros e darmos suporte mútuo. Talvez uma zine ou uma plataforma diferente para mostrar o trabalho de toda a gente. Há tantas fotos incríveis perdidas em discos externos…
Alguma vez tiveste uma sessão que foi um pesadelo, mas acabou por dar uma grande foto?
Não lhe chamaria pesadelo, mas já houve muitas vezes em que tivemos de voltar a um spot porque fomos corridos, ficou escuro ou a manobra não saiu clean. Vejo cada foto como uma missão. Há sempre margem para melhorar, mudar o ângulo, ajustar a luz. Ainda não tive um desastre total, mas sei que vai acontecer — e quando acontecer, vou tentar manter a calma.

Já tiraste uma foto brutal que, por algum motivo, acabaste por perder?
Sim. Fui a Nova Iorque e fotografei com vários amigos, mas perdi o disco externo no regresso a Lisboa. Sempre que penso nisso, só me apetece chorar. Próxima pergunta, por favor.
Fotografar skate às vezes implica saltar vedações, lidar com seguranças e fugir da polícia. Tens alguma história dessas?
Adoro saltar vedações, mas odeio quando somos corridos depois de já termos montado tudo, especialmente as luzes! Há sempre aquele “herói civil” a proteger o prédio, haha. Felizmente nunca tive de fugir da polícia. Em Portugal, os seguranças normalmente são porreiros até dizem quando é melhor voltar. Em NY esquece, agem como polícias. E no México pode ficar mesmo pesado. Há quem acabe detido. Já ouvi histórias malucas.

Como mudou a tua abordagem à fotografia ao longo dos anos? Há algo que faças diferente hoje em dia?
Na altura, não estava focado em fotografar skate. Se o fizesse, era com luz natural, nada de flashes. Agora adoro como o flash realça a manobra e dá-lhe impacto. E o skate em si também evoluiu. As manobras são muito mais criativas e técnicas agora, o que me dá ainda mais pica e satisfação no trabalho.
Fotografaste várias gerações de skaters. Achas que a forma como veem a fotografia e o vídeo mudou?
A fotografia de skate sempre teve um peso enorme para mim. Faz-me pensar no processo por trás de cada shot, quanto tempo levou, se a manobra foi aterrada bem, a história por trás. Mesmo com vídeo, às vezes a foto conta uma história melhor. Posso olhar para uma foto vezes sem conta, mas farto-me de um clip em poucos segundos. Venho de uma geração em que a foto era tudo. O vídeo continua a ser importante, mas não há nada como congelar um momento numa imagem.

Se pudesses fotografar qualquer skater, em qualquer spot, sem limites, quem e onde seria?
Se é para sonhar, diria o Eric Koston, o Mark Gonzales ou o Mike Carroll. Gosto de fotografar pessoas com estilo único, que skatam de forma diferente. Vejo o skate como arte, por isso atraem-me skaters que tragam essa energia artística. Quem trouxer isso, eu alinho.
Já tiraste uma foto que na altura parecia nada de especial, mas depois percebeste que era incrível?
Sim, tirei uma há anos na Cidade do México, numa altura em que ainda não estava focado em fotografia de skate. Foi com uma point-and-shoot. Tornou-se especial porque era para um dos meus melhores amigos, o Alex Rodel. Não foi totalmente por acaso queria captar a manobra sem ninguém no fundo. Mas quando vi a imagem, reparei que a sombra dele estava perfeitamente colocada, criou uma composição brutal.

Qual fotógrafo ou artista (não precisa de ser ligado ao skate) mais te influenciou?
Sem dúvida, o Don Pendleton teve grande influência no meu trabalho e no amor pelo design. A arte dele dava-me sempre vontade de skatar e criar. Ter uma tábua com um gráfico dele era sempre inspirador. Em termos de fotografia, sempre admirei a Diane Arbus, a ousadia e o estilo provocador dela falam-me muito. A música também tem um grande impacto no meu processo criativo. É difícil escolher um artista ou banda, mas sempre que ouço Primus, dá-me vontade de skatar.
Muitas vezes, as melhores fotos são as que acontecem sem planeamento. Tens alguma assim?
Totalmente. As fotos inesperadas podem ser das melhores, especialmente quando têm aquele ar cru e documental, captadas sem setup de luzes. Dito isto, gosto de ter pelo menos uma ideia do que quero, para poder aproveitar o momento ao máximo.
O que achas que faz uma grande foto de skate? É mais sobre técnica ou atmosfera?
A atmosfera é essencial claro que o ângulo certo também. A técnica conta, mas depende muito do teu estilo e gosto pessoal. Para mim, é tudo sobre composição e sobre como imaginei a imagem. Há sempre variáveis, pessoas a passar, distracções no fundo. Tento que cada foto pareça intencional.

Há alguma foto tua que sintas que representa mesmo o teu estilo?
Sinceramente, ainda estou a descobrir o meu estilo. Gosto muito de fotos com lente longa e tenho experimentado ângulos diferentes ultimamente. Percebi que tendo a ser muito simétrico nas composições, o que pode parecer limpo e polido, mas às vezes falta-lhe movimento e espontaneidade. Estou a tentar fugir disso.
Se pudesses voltar atrás e dar um conselho ao Fernando que estava a começar na fotografia, o que lhe dirias?
Diria para nunca se acomodar e continuar a praticar. Para se divertir com isso, não levar demasiado a sério. Não stressar com técnica, só fazer o que sente certo. Não copiar os outros nem tentar agradar a ninguém. Faz com que seja teu.
