Será Que o Skate Alguma Vez
Vai Ser 100% Aceite?
Entre a Rebeldia e a Aceitação
O skate sempre esteve entre dois mundos: por um lado, a rua, o DIY, o caos e a liberdade de criar algo sem regras; por outro, a tentativa constante de o encaixarem num formato mais acessível, mais apresentável, mais “respeitável”. Já passámos de delinquentes para atletas olímpicos, mas será que o skate alguma vez vai ser 100% aceite? E será que isso é sequer bom?
Nos últimos anos, o skate ganhou um nível de reconhecimento que há décadas era impensável. Antes éramos corridos de praças por seguranças, multados pela polícia e olhados de lado por quem achava que éramos só um bando de miúdos sem futuro. Agora, os mesmos espaços urbanos onde éramos expulsos servem de cenário para campanhas publicitárias com modelos a posar com skates que nunca tocaram no chão. O mesmo sistema que nos excluía percebeu que o skate vende – e, de repente, está tudo bem sermos skaters.
Mas será que a aceitação significa realmente integração? Porque, ao mesmo tempo que há mais skateparks, mais apoio institucional e mais cobertura mediática, continuamos a ver ruas cheias de anti-skate, seguranças a correr atrás de skaters e cidades que constroem pistas enquanto proíbem o street. Há um esforço para moldar o skate ao que é conveniente, mas sem entender de verdade a cultura que vem com ele.
E aí entram os Jogos Olímpicos. Quando o skate foi anunciado como modalidade olímpica, muita gente celebrou – mais visibilidade, mais oportunidades para os skaters, mais reconhecimento como um “desporto a sério”. Mas também houve uma resistência gigante. O skate nunca foi sobre regras e pontuações fixas, e transformar a cena numa competição formatada tira-lhe grande parte da essência.
Nos Jogos, um skater ganha ou perde por décimos de ponto, mas como se mede o estilo? Como se avalia a criatividade? Como se quantifica a sensação de uma linha bem encaixada numa cidade cheia de texturas e obstáculos naturais? O formato competitivo pode funcionar para alguns, mas para muitos outros, o skate continua a ser algo que não se encaixa em pódios e medalhas.
E depois há a questão do que significa ser “aceite”. Se aceitação significa mais apoio para a cultura do skate e melhores condições para quem anda, ótimo. Mas se significa transformar o skate num produto higienizado, domesticado e longe das ruas, então talvez a melhor coisa que pode acontecer ao skate… seja nunca ser 100% aceite.
Porque, no fim do dia, o skate sempre foi mais interessante quando estava do lado de fora.
A conclusão disto tudo e que o skate nunca precisou da aceitação para sobreviver. Desde o início, foi construído por skaters, para skaters, ignorando as regras e expectativas de quem estava de fora. Agora que se tornou mainstream, cabe à comunidade decidir o que fazer com essa exposição. Podemos aproveitar as oportunidades sem perder a essência? Podemos crescer sem nos tornarmos apenas mais um produto para consumo?
Talvez a verdadeira resposta esteja no equilíbrio. O skate pode ganhar espaço no mundo sem perder o espírito que o tornou especial. Mas se algum dia for completamente aceite, se deixar de ser desafiador, rebelde e imprevisível… será que ainda será skate?

Para perceber melhor onde estamos nesse debate, perguntámos a algumas pessoas a sua opinião com perguntas específicas sobre a aceitação do skate. Cada resposta trouxe uma perspetiva única / igual sobre o que ainda falta para o skate ser visto como algo totalmente integrado na sociedade.
— Valter Sousa —
Se o skate já está nas Olimpíadas e tem marcas milionárias, porque é que ainda nos correm dos spots?
Não sei se sei responder bem a isso, mas imagina… Acho que o facto de o skate estar nas Olimpíadas não muda assim tanto a forma como as pessoas o veem. E, sendo sincero, eu até gosto de ser corrido de spots. Gosto dessa ideia de ser um “desporto” que, de certa forma, ainda é visto como marginal. Acho que isso traz uma certa adrenalina. Aliás, para mim, o skate nem é um desporto, é arte. E toda a arte que sofre algum tipo de censura tende a ser melhor, percebes? Quando a arte deixa de ser censurada, muitas vezes perde a força. Não sei se estou a dizer bem, mas tudo o que envolve algum risco ou adrenalina torna a arte mais intensa, mais especial. Fazer algo que é visto de forma diferente é fixe. Significa que quem anda de skate pensa um bocado fora da caixa… ou então são os outros que não pensam fora da caixa, e se calhar estão um bocado errados.
Se és corrido de spots, talvez seja porque as pessoas ainda são muito fechadas. E, de certa forma, isso até é fixe. Mostra que tu não és assim. Eu curto essa barreira. Há muita gente com uma vida super monótona, e quando percebes que és um bocadinho diferente, isso dá-te outro gosto pelo que fazes. No fundo, tudo o que é fácil demais perde a piada.
Não sou contra as Olimpíadas, cada um faz o que quer, mas sei lá… Acho que a arte não é quantitativa, não dá para medir ou qualificar. Já participei em campeonatos e curti muito disso, por isso são só visões diferentes e está tudo certo.
Acho que ser corrido de spots tem muito a ver com a cultura de cada país. Se fores para uma cidade como Berlim, onde a arte está por todo o lado, és expulso muito menos vezes. Aqui, temos um país mentalmente velho. Tivemos uma ditadura durante muito tempo, e há muita gente com uma mentalidade muito fechada. No geral, tudo o que foge do normal é visto como estranho. Mas não é.
O pessoal só está a viver a sua vida.
— Emanuel Silva —
Achas que o skate algum dia vai ser visto como algo normal como jogar futebol, ou vai ser sempre “coisa de miúdos rebeldes”?
Acho que não, porque quem anda de skate na rua vai sempre sofrer com isso. O skate desgasta os spots, faz barulho, e há sempre pessoas que não gostam disso. Acho que essa mentalidade nunca vai mudar. Mas para quem anda apenas em skateparks, isso não se sente tanto.
— Gustavo Bugalhão —
Se tivéssemos mais skateparks e menos street, achas que o skate seria mais aceite ou só ia perder a essência?
A minha opinião é que, mesmo que houvesse mais skateparks e menos street, só aceita o skate quem quer. Há pessoas que nunca o vão aceitar e outras que sim, depende de cada um. Imagina alguém que não gosta de skate, mas mais para a frente essa pessoa pode envolver-se com o skate e, a partir daí, começar a gostar. Acho que não é por haver mais skateparks e menos street que isso vai mudar.
Pode ter alguma influência, mas a pessoa tem de sentir.
É aquela cena do tipo: ele aparece do nada e a pessoa começa a gostar.
Não é só por ver a malta a andar que, de repente, vai passar a curtir bué, é diferente.
Perder a essência, acho que nunca vai acontecer. Mesmo que haja mais skateparks e menos street, a malta anda porque gosta, porque faz bem à cabeça, porque sabe bem. Anda para aliviar, anda porque quer. Não é por haver mais sítios para andar que o pessoal vai deixar de skatar.
— Ruben Carlos —
O que irrita mais a sociedade: o barulho, os riscos no chão ou ver alguém a divertir-se sem pagar?
Provavelmente, a mistura dos três fatores faz com que as pessoas mais velhas não estejam habituadas a conviver com isso, e quando o veem, critiquem e tentem expulsar-nos. As autoridades irão sempre usar como argumento que “estragamos tudo”, para justificar a proibição do skate em certos locais, apontando o facto de nos divertirmos sem pagar. Essa é a parte mais filosófica da questão: o skate de rua é uma forma de lazer espontânea, criativa e sem custos, o que pode incomodar quem acha que tudo deve estar regulamentado e monetizado. No fundo, o problema não é o skate em si, mas a ideia de jovens ocuparem o espaço público de forma livre e não convencional.
— Joao Lopes Gomes —
Achas que os próprios skaters às vezes alimentam a ideia de que somos um problema ou isso é só desculpa para nos correrem da rua?
Sim um pouco, na minha opinião quando somos corridos da rua devemos tentar explicar às pessoas o que estamos ali a fazer e o propósito e não tentarmos criar mais conflito. Devemos tentar “limpar o nosso nome dos skaters de arruaceiros” explicar a essas pessoas que nos correm que não estamos ali a fazer mal a ninguém mas sim a divertimo-nos e a fazer o nosso “trabalho”. Acho que se formos arruaceiros logo com quem nos for correr nunca vais conseguir mudar o pensamento dessas pessoas.
— Joao Rosa —
O skate precisa mesmo de ser aceite ou é melhor manter essa vibe de outsider?
Na minha opinião, como em tudo na vida, deve ser respeitado, eu acho que hoje em dia já e bastante aceite no entanto ainda tem muita mentalidade fechada que atrofia quando skatamos em espaços públicos, e importante haver respeito de ambas as partes, ou pelo menos de quem está a skatar, e não entrar em conflito, cada vez mais as pessoas vêem o skate como uma coisa positiva, se precisa de ser aceite, acho que não , e indiferente, mas se for aceite ou minimamente compreendido não faz mal a ninguém. É preciso é haver respeito pelo próximo e pelo que nos rodeia.
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