Hugo Cruz é daqueles nomes que não se ouve aos gritos, mas sente-se no silêncio das sessões e nas páginas da Surge Skateboard Mag. Skater desde miúdo, fotógrafo por paixão, e um eterno curioso que nunca largou o skate, mesmo quando o corpo começou a reclamar. Cresceu em Aveiro, numa altura em que o skate era tudo e a vida girava à volta da próxima sessão. Hoje, aos 46, é uma presença calma, mas firme, sempre com a câmara na mão, à procura daquele momento certo — não só do truque, mas do que está por trás dele.

Quem é o Hugo Cruz quando não está com uma câmara na mão ou em cima do skate?
Pá, boa pergunta. Quem é o Cruz fora do skate e da fotografia? Nem eu sei, mano. Sinceramente, nem eu sei. Só nesse contexto é que eu me sinto o Hugo Cruz. De resto, estou assim um bocadinho à parte da sociedade, meio deslocado. E é isso, como não tenho assim muito mais interesses, pá, acabo por ter uma vida normal, pacata. Estar por casa, jogar um computador, partilhar momentos com a minha querida Eduarda, com os nossos gatinhos. E sempre a pensar na próxima sessão e quando é que o tempo deixa um gajo ir andar de skate ou fazer umas imagens. Basicamente é isso na cabeça o dia todo.
Lembras-te do momento exato em que o skate entrou na tua vida? Como foi isso?
Bem, eu acho que isto foi por volta de 85 ou 87. Os irmãos mais velhos dos meus amigos de infância faziam surf na altura. Nós brincávamos ali na rua em frente das nossas casas e há um dia que o skate aparece com um deles ou vários skates, não me recordo bem. A malta ficou curiosa com aquilo, pronto, pediu para experimentar, não é normal, a curiosidade associada.
E pronto, lá me pus em cima do skate, dei uma grande queda, comecei-me assim a rir, e achei que aquilo, pronto, era espetacular, era espetacular. E a cena na altura, pronto, o pessoal tinha boeda pinta, a maneira como mexia o corpo a andar de skate e não sei o quê, pá, aquilo era bonito e captou-me a atenção. E a partir daí foi amor logo.

Crescer em Aveiro influenciou a tua ligação ao skate? Como era a cena por lá?
Sem dúvida que influenciou, na altura andava muita gente de skate, pronto, era aquilo que nós fazíamos, saíamos da escola e íamos andar de skate, fim de semana íamos andar de skate, sempre que havia momentos livres no dia nós íamos andar de skate.
Pronto, e basicamente era só isso que nós fazíamos e pensávamos. Lá metíamos um futebolzinho pelo meio, não sei o quê, mas era sempre skate e a cena de skate em Aveiro, pronto, lá está, sempre foi um bocado forte e havia sempre malta presente, há umas lojitas meio clandestinas e tal e a malta estava sempre no ativo.
E a fotografia? Foi amor à primeira vista ou algo que foste descobrindo aos poucos?
Eu sempre tive um fascínio por fotografia. Tipo aqueles álbuns a preto e branco lá em casa da família e não sei o quê, tipo aquelas fotos impactantes. Sempre gostei muito disso. Os meus tios faziam fotografia, tinham um gabinete lá para revelar e assim. E em casa havia a câmera do pai, que pronto, não estava assim muito ao meu alcance, porque é do pai, mas não pode mexer, é puto, pode estragar, aquelas cenas. E então ficou tipo meio adormecido em mim. Como não tinha acesso, tipo, achei, isto não é para mim. Pronto, e esqueci. Ficou adormecido aí durante imensos anos.
Até que um dia, foi há cerca de oito anos atrás, creio eu, tive a oportunidade de pegar numa câmera que estava parada e sem perceber merda nenhuma daquilo, pronto, perguntei como é que funciona, ou como é que funcionava aquela treta. Pá, deram-me umas indicações, tipo, olha, tens que ter atenção a estes certos parâmetros. Pronto, e fui para a rua com a câmera. Depois ao chegar a casa pediram-me para ver o resultado daquilo que eu fiz nesse dia. Pá, e tive um feedback positivo. Disseram-me que pronto, se calhar estava aí qualquer coisa. E eu a partir daí, pronto, achei que, olha, se calhar até isto é para mim. Pronto, e continuei. E tenho vindo a dedicar cada vez mais a isso. Cada vez com mais gosto e mais afinco.
Aos 46 anos, como equilibras a paixão pelo skate com as limitações físicas que podem surgir?
Eu tento ver a cena de uma forma positiva. É tipo o conformismo, um gajo fica mais cansado, já não tem aquela aptidão para saltar aquelas escadas, dar aqueles gapzões que o meu curtia, mas dá para manter o skate debaixo do pé sim.
Mas o sentimento é um bocado de frustração, porque estavas habituado a fazer umas coisas e agora com a falta de hábito, porque a fotografar eu passo um bocadinho de menos tempo em cima do skate e acabo por não estar atualizado. E depois quando vou andar é como se tivesse que fazer o update outra vez. Nem sempre há paciência para fazer o update e então vamos só dar aquilo que já sabemos e sentimos-nos bem com isso.

A fotografia surgiu como uma forma de te manteres ligado ao skate quando o corpo começou a pedir descanso?
Totalmente, mas isso apareceu de uma forma espontânea, não foi propositado. Só fui percebendo isso à medida que o tempo foi passando.
E ainda bem que tenho a câmara na mão, porque se calhar cada vez menos ia aparecer nas sessões de skate, por já ter essa limitação. E a cena fixe do skate, ver também é bom, mas estar lá no meio é como tu sabes, e como toda a gente sabe.
E quando um gajo não está fixe para andar de skate, mais vale a pena nem aparecer, que é para não ficar ali a sofrer de ansiedade e com o corpo todo a suar.
Como é que passaste de fotografar os teus amigos para trabalhar com a Surge Skate Mag?
Eu na altura andava à procura dos acessórios de fotografia. E, pronto, também como já conheço o Roskof há bastantes anos e sei que ele é o master da cena, falei com ele a saber se ele tinha esses acessórios. Pronto, quando é material usado, consegue-se sempre um preço mais fixe. O material de fotografia, como toda a gente sabe, não é propriamente barato.
Pronto, e então através dessas conversas ele ficou a saber que eu estava a fazer umas imagens e eu não me recordo bem se fui eu que lhe mostrei ou se foi ele que pediu para dar uma espareita. Pronto, e a partir daí foi-me pedindo para enviar as imagens, também se há algumas coberturas de eventos, que eu volto e meia faço, apareço e fotografo a cena. Pronto, houve algum interesse.
Depois disso veio a proposta para fazer uma peça com o skater aí conhecido. Pronto, e a cena foi para o papel e de repente vejo o meu nome lá impresso. E pronto, e a coisa começou por aí. E está on.

Lembras-te da tua primeira foto publicada? Que sensação foi essa?
Claro que lembro, claro que lembro. É como a primeira foda ou como o primeiro flip que tu dás, não vais esquecer, claro. É assim um sentimento fixe, é um sentimento fixe.
A primeira foto foi com um backside tail que fiz com o Gamito em Braga. Fui lá fotografar o dia de skate de um evento, já nem me lembro, organizado lá pela loja, a Skills na altura. Ou então, não, espera lá. Nepia, Nepia. Foi das primeiras etapas da Liga Senas.
E eu vi o spot e dei-lhe a dica, tipo, olha, uma manobrinha ali assim assim e tal. E o gajo curtiu da ideia, pronto e fomos. E está aí para a eternidade.
Trabalhar com uma revista nacional trouxe-te que tipo de desafios e aprendizagens?
Eu senti um bocadinho mais de peso, mais responsabilidade em cima do nome. Tive que começar a me preocupar um bocadinho mais com a qualidade das imagens, principalmente a qualidade das imagens.
E, pronto, a aprendizagem veio desse sentimento, da responsabilidade de ter uma boa imagem.

Como é colaborar com distribuidores e marcas dentro do mundo do skate?
É uma experiência fixe. Tenho uma boa relação com todos eles, apesar de não ser uma relação muito próxima. Nós não falarmos tantas vezes ou estarmos juntos. Eu fico super grato deles curtirem as coisas que eu faço e de quererem aproveitar e canalizarem para os seus interesses. Acho mesmo fixe.
Tens um estúdio em casa para fotografia de produto. Como é essa transição entre a rua e o estúdio?
Nunca digas que eu tenho um estúdio de fotografia de produto em casa. hahah
Não é bem assim. Tenho um no-budget estúdio, que é tipo uma cena montada e desmonta, porque a casa não é grande. E o equipamento não é nada profissional, é tudo improvisado e reaproveitado.
A transição nem foi pela necessidade de contactar-me. Depois de saber que eu fazia imagens, fizeram uma proposta e eu aceitei o desafio. Também como não tenho nenhum conhecimento, quer dizer, conhecimento tenho, mas nunca estudei fotografia, não tenho curso nenhum associado a essa área.
Pronto, e foi uma forma de eu forçar-me a aprender uma cena nova, que também é do meu interesse. E é o que tenho feito. Não tanto como gostava, não tantos clientes como se calhar se pretendia, mas acredito que no processo evolutivo das coisas possamos lá chegar sim. E ter realmente um estúdio de fotografia em casa. hahah
Quando sais para fotografar uma sessão, tens algo específico em mente ou deixas fluir?
Tem as duas. Muitas vezes saio de casa só com a mochila às costas para dar um skatinho e depois há o interesse de alguém ou o meu sugerir um spot e vamos lá bater.
E outras vezes já saímos de casa com as coisas combinadas através lá dos telefones e redes sociais e vamos para a rua diretos àquilo que estava combinado fazer, ou pelo menos tentar.

Preferes capturar aquele truque técnico perfeito ou a espontaneidade de um momento inesperado?
Depende do que estejas a falar. No skate tocas espontâneo ou foto espontânea se calhar dificilmente vais ter, mas eu gosto das duas cenas.
Por exemplo, nos eventos de skate, tens sempre a parte das pessoas que estão a ver, a maneira como elas estão a conversar ou a reagir àquilo que estão a ver e é sempre fixe ter essa espontaneidade. Quando é uma foto de uma manobra de skate, já é uma cena mais estudada, já está combinado ali com o skate, a malta já sabe onde é que nós nos vamos posicionar, aquilo acaba por ser um bocadinho espontaneamente encenado.
Como é que a tua experiência como skater influencia o teu olhar fotográfico?
Influencia bastante, influencia a 100%. Porque se não fosse o skate, se calhar dificilmente eu teria, independentemente de ser bom ou mau, a visão que eu tenho e a maneira como eu faço as coisas.
Tudo o que eu sei de fotografia foi ao longo destes anos todos, folhear revistas de skate e sem ter a noção que estava a aprender, pronto, foi ficando ali aquela informação. E com essa informação depois, de uma forma orgânica, apliquei na prática.
Porque se calhar se eu viesse do nada, não influenciava tanto a maneira como eu faço as coisas. Se calhar deveria ser de uma forma totalmente diferente. Se calhar já não estava com tanta atenção em captar exatamente, ou o mais exato possível, a manobra em questão. Já só seria se calhar uma pessoa no ar com o skate debaixo, assim meio à toa. Mas sim, totalmente, o skate influenciou totalmente, 100%.
Já houve situações em que largaste a câmara para pegar no skate e juntar-te à sessão?
Acontece muitas vezes, sim. Acontece muitas vezes. Porque lá está. Eu faço a fotografia porque eu ando de skate.
E muitas vezes ou é só dar aquelas manobrinhas antes de pegar na câmera, enquanto a malta também está a aquecer e a tentar perceber o spot e coisas assim. Ou à espera de alguém que foi buscar comida ou outros consumíveis.
E outras vezes, pá, eu estou a fotografar e sim, pouso a câmera e também tento dar uma manobrinha.

Alguma vez te encontraste dividido entre viver o momento e capturá-lo?
Ya, essa divisão acontece muitas vezes. Estou ali a ver a ação e fica assim o sangue a ferver. Só que geralmente opto por registar o momento. É sempre preferível teres esse registo do que só teres a memória de teres lá estado.
És mais de digital ou ainda tens uma queda pelo analógico?
Sem dúvida que o analógico. O analógico é aquela cena.
Mas pronto, no caso do skate, financeiramente não é viável trabalhar com rolos. E com uma câmera digital acaba por ser tudo muito mais prático, simples, facilitado, mais barato também.

Foto de Luís Moreira.
Tens algum setup de câmara favorito para fotografar skate?
O meu setup favorito é aquilo que eu tenho para usar na rua. É o meu favorito. Não tenho mais nem melhor, por isso adoro o que tenho.
Como lidas com as condições imprevisíveis da rua em termos de luz e ambiente?
Eu lido com muita atenção ou com mais atenção possível. Eu fotografo tudo no modo manual e então tens que ter sempre atenção e estar sempre a fazer os ajustes necessários para que tu possas ter uma boa imagem.
E tu agora estás a fotografar com umas definições na câmara e daqui a um bocado já vem aquela nuvem a tapar o sol e tu já tens que ir lá reajustar ou então, porque não estás a achar que aquele enquadramento é o que favorece mais a imagem, vais ter que montar as coisas, vais para o outro lado da rua ou assim.
Tens que estar sempre com o pensamento sharp, não é só estar ali presente e fazer cliques na máquina, há coisas que pensam e que passam pela cabeça que tens que fazer.
Já tiveste algum percalço técnico durante uma sessão que te fez perder “aquela” foto?
Lamentavelmente já, tipo desde erros de conexão de lente com a câmara, flash não disparem por falha de comunicação ou falha de energia. Sim, já perdi algumas belas fotos à pala disso. Fiquei fodido.

Há alguma técnica ou truque que desenvolveste ao longo dos anos que seja a tua assinatura?
Eu não tenho essa noção de técnica. Eu acho que nunca faço as coisas da mesma maneira. Acabo sempre por ser tudo diferente. Não há uma técnica.
Como vês a evolução da fotografia de skate em Portugal nos últimos anos?
Há muito mais gente a fotografar, o que é bom, traz mais visões diferentes e um bocadinho mais de visibilidade aos skaters. Havendo mais pessoas a fotografar, há mais skaters a serem vistos.
E a evolução da fotografia tem a ver com o know-how das pessoas ao longo dos anos e com a evolução brutal que o skate tem tido. Acho que uma coisa complementou a outra. Foi melhorando o skate, foi melhorando a fotografia. E com mais fotografias, por haver mais gente a captar imagens.
Achas que as redes sociais estão a mudar a forma como as fotos de skate são consumidas e valorizadas?
Eu nunca fiz essas contas, mas agora que penso nisso, pá, acho que sim, está a mudar um bocado. Está um bocadinho mais descartável.
Depois é muita informação, também não tens capacidade de reter tudo e se calhar acaba por desvalorizar um bocadinho, sim.
Que conselho darias a alguém que quer começar a fotografar skate hoje em dia?
Meu, venham para a rua captar imagens. Não venham com sentimento de que “ai eu não sei, ai eu não consigo”. Não mano, faz a tua cena. Ninguém está a competir com ninguém. Relaxa e faz a tua cena. Só vai.

Tens algum projeto ou ambição futura que possas partilhar connosco?
Não tenho projetos não. E não lhe diria ambição, mas gostava de estar um bocado mais envolvido, mais forte. Mas para outras coisas são como são e fazemos aquilo que podemos, com as pessoas que podemos, nas condições em que podemos.
Mas já não tenho projetos, estou aberto a tudo.
Se pudesses escolher qualquer lugar no mundo para uma sessão fotográfica de skate, onde seria e porquê?
Meu, é bem difícil escolher um. Tu deves saber melhor que ninguém que é bem difícil escolher um.
Tenho uma lista gigante e não te consigo dizer assim um em específico porque queria estar em todo o lado.